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Meu Repertório: Milton João Bock e Leonardo Bock

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Quando pensamos em uma orquestra, é comum associarmos a palavra a notas e partituras. Por trás dos diversos instrumentos que a compõem, existem pessoas, que carregam histórias para além das grandes obras interpretadas. Com a série ''Meu Repertório'', celebramos os 70 anos da OSPA, resgatando narrativas que acompanham a história da sinfônica.

Ao olhar pra trás, Milton João Bock enxerga um repertório que externa a própria criatividade. As obras que cria são menos que um filho, pois o filho que tem é retrato da música imersa em sua vida. Nascido em Montenegro, herdou do pai a paixão musical, que foi concretizada no violoncelo e consumada na OSPA, onde atua há 40 anos. O experiente músico repassou os ofícios ao filho, Leonardo Bock, que aos três anos já dedilhava os primeiros acordes no violino. Para o jovem, a música de concerto chegou ainda mais cedo: foi durante a gravidez da mãe que sentiu a vibração das primeiras melodias nos concertos da OSPA. Hoje, sobre o mesmo palco, pai e filho constituem a história da orquestra em uma mesma partitura. Confira a entrevista completa da família Bock:

1 - Onde você nasceu? Sempre morou em Porto Alegre? Se não morava, quando se mudou para cá e por quê?

Leonardo: Nasci em Porto Alegre e sempre morei aqui.

Milton: Nasci em Montenegro e me mudei para Porto Alegre em dezembro de 1979. Com permissão do maestro David Machado, vim à Capital para participar dos concertos da OSPA, iniciando como estagiário.

2 – Como a música entrou na sua vida? Quando surgiu o interesse pela música de concerto?

Leonardo: Quando estava grávida, minha mãe já ia aos concertos da OSPA com frequência. Meu pai era músico efetivo da orquestra, então mesmo antes de nascer já sentia a vibração da música de concerto.  Alguns anos se passaram e certo dia estava em casa e avistei um estojo com um formato curioso. Era um violino que meu pai havia comprado. Quando percebeu o interesse, me ensinou a tocar uma música que mais tarde eu apresentaria à minha tia. Desde então, o amor pela música foi crescendo. A formação musical surgiu aos três anos, nas aulas de musicalização infantil com a professora Vera de los Santos. Aos cinco anos, comecei a estudar violino com o professor Carmelo de los Santos, uma das minhas grandes referências, juntamente com os professores Fredi Gerling e Hella Frank, que me instruíram durante meu bacharelado na UFRGS.

Milton: Sonhei em ser músico desde criança. Meu pai cantava em coral e tocava gaita de boca. Ele reunia os seis irmãos e minha mãe para cantarmos em forma de cânone ou a duas vozes canções folclóricas e sacras alemãs. Para realizar meu sonho, em 1974 fui estudar no Instituto Ivoti, que havia um ótimo ambiente, um forte movimento musical e onde surgia a Orquestra de Câmara Jovem de Ivoti, da qual participei até concluir meus estudos, no final de 1979.

3 - Quando a OSPA passou a fazer parte da sua história?

Leonardo: O interesse em realizar o concurso para ingressar na OSPA surgiu no terceiro ano de faculdade, quando o edital foi publicado. Além de ter crescido assistindo os concertos da OSPA, tinha o fator de meu pai ser músico da orquestra. Não tive dúvidas de que deveria prestar o concurso e tentar entrar como músico efetivo.

Milton: Quando vim a Porto Alegre assistir à ópera Carmen, de Bizet, em 1975, sob a regência do maestro Pablo Komlós. Foi então que começou a despertar o meu sonho de um dia poder fazer parte de uma orquestra sinfônica. A partir de dezembro daquele ano, concretizei o desejo de participar dos concertos de fim de ano da OSPA.

4 - Como se deu a influência para que Leonardo seguisse na carreira musical?

Milton: Sempre incentivei Leonardo, desde criança. Levava o meu filho às aulas e auxiliava no estudo em casa. Além de fazer música de câmara em família, em forma de trio, comigo e a irmã Gabriela no violoncelo. Eu percebia que ambos tinham muito potencial, facilidade e segurança. Desde o primeiro ensaio do trio, a afinação tinha que ser impecável a partir do primeiro acorde. Aprendi no Japão com o doutor Suzuki essa técnica, que se aplicava perfeitamente com crianças. E percebi que Leonardo tinha todas as condições de se realizar como músico.

5- Qual a sensação de dividir a profissão com um familiar e como foi tocar em um concerto com o seu pai/filho pela primeira vez?

Leonardo: Dividir o palco com meu pai sempre é emocionante. A primeira vez foi marcante, pois me fez olhar pra trás e relembrar tudo que eu vivi e aprendi com ele. Foi o primeiro de muitos concertos juntos.  A relação de pai e filho dentro da orquestra é muito boa. Eu, particularmente, gosto. Ele me ensinou muitas coisas sobre a profissão e o dia a dia de um músico profissional. Antes de ingressar na OSPA e até hoje, com menos frequência, conversamos sobre alguns assuntos pontuais.

Milton: Como todo pai que acompanha a trajetória do filho, trabalhar com o Leonardo é uma satisfação e um orgulho muito grande. Em especial, observar a seriedade, consideração e profissionalismo em relação à música, ao público e aos maestros,  além da busca pelo aperfeiçoamento e evolução constantemente. Tudo isso faz com que, a todo momento, surjam novas oportunidades, pelo Brasil e exterior. O primeiro concerto ao lado dele foi muito especial e emocionante pela sua nova condição de alcançar a meta e passar a ser músico efetivo da orquestra.

6 – Qual foi a sensação de ver o filho ingressar na OSPA?

Milton: Foi de muita emoção e alegria, pelo reconhecimento no resultado, de toda sua dedicação e empenho, uma recompensa por aquilo que sempre mais gostou de fazer. Foi  muito gratificante obter os resultados naquilo em que apostei e investi, além de ver que minha percepção quanto ao potencial de Leonardo estava certa.

7 – Quais suas vivências como músico e quais lugares do mundo você já teve oportunidade de se apresentar?

Leonardo: É difícil de pontuar, pois tive o privilégio de vivenciar muitos acontecimentos marcantes na minha vida e na carreira musical. Entre os momentos mais especiais, estão alguns concertos com Nelson Freire, um concerto e uma ópera em Athens, nos Estados Unidos, um concerto na Kammermusiksaal da Philharmonie Berlin, na Alemanha, um concerto no Auditório Simón Bolívar, na Venezuela, entre outros.

8 – Quais as melhores lembranças que você tem desse tempo na OSPA?

Milton: Tive o privilégio de tocar com grandes maestros, como Eleazar de Carvalho, ao qual prestei concurso público, David Machado, Isaac Karabtchevsky, Evandro Matté, Manfredo Schmiedt, Léo Fuhr, Cláudio Ribeiro e muitos outros grandes regentes do mundo inteiro. Também dividi palco com grandes solistas, como Mischa Maisky, Antônio Meneses, Antônio Del Claro, Hugo Vargas Pilger, Maxim Fedotov, Emmanuele Baldini, Cármelo de los Santos,  Nelson Freire, Arnaldo Cohen, Luciano Pavarotti, Montserrat Caballé, Roberto Carlos, Renato Borghetti. Ainda tocamos em locais como a Sala São Paulo, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a Praia de Copacabana, juntamente com a Orquestra Petrobrás Sinfônica. Também fomos ao Teatro Municipal em São Paulo, ao Teatro Nacional de Brasília e ao Teatro Solís, em Montevidéu.

9 – Tem algum concerto, algum regente ou solista que tenham marcado sua trajetória na OSPA? Se sim, por quê?

Leonardo: Somos privilegiados por termos tantos solistas e regentes de alto nível durante a programação da OSPA. Devo destacar um concerto junto ao Nelson Freire com o Concerto para Piano nº 2, de Chopin. Os violinistas Helena Berg, Luiz Filip e Linus Roth com interpretações de Prokofiev, Brahms e Sibelius também encabeçam essa lista, juntamente com os maestros Nicolas Rauss e Gudni Emilsson, por suas ideias e convicções artísticas.

Milton: Relembro o concerto tríplice de Ludwig van Beethoven para violino, violoncelo e piano, executado pelo excelente Trio Porto Alegre. O violoncelista desse trio me marcou muito pela magnífica interpretação: Hugo Vargas Pilger, que, desde jovem, é considerado e reconhecido como o melhor violoncelista do Brasil da sua geração. Ele é doutor em música e violoncelo, professor no instrumento pela Unirio e spalla e solista da Orquestra Petrobrás do Rio de Janeiro. Tive o privilégio de ser seu primeiro professor durante dois anos. É com muito orgulho e satisfação que carrego comigo essa agradável lembrança como docente.

10– Tem algo que não perguntamos e que você gostaria de acrescentar?

Milton: Destaco que em dezembro de 2019 as minhas primeiras emoções completaram 40 anos. Em dezembro de 1979 integrei a OSPA pela primeira vez, e esses sentimentos persistem até hoje. Nós, músicos, somos eternamente gratos por termos o privilégio de fazer música para esse povo gaúcho, tão receptivo e carinhoso com a orquestra.

OSPA - Orquestra Sinfônica de Porto Alegre