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Meu Repertório: Evandro Matté

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Crédito: Sofia Cortese

Quando pensamos em uma orquestra, é comum associarmos a palavra a instrumentos, notas e partituras. Da plateia, às vezes é difícil distinguir os rostos que estão no palco. Por trás dos diversos instrumentos que compõem uma orquestra, existem pessoas, que carregam histórias para além das grandes obras interpretadas. Ao celebrarmos os 70 anos da OSPA, resgatamos algumas dessas narrativas que acompanham a história da sinfônica.

Em 2015, Evandro Matté assumiu o cargo de maestro e diretor artístico da OSPA, mas sua história com a música teve início há décadas. Antes de se tornar maestro, Matté foi trompetista da OSPA por 25 anos, sendo um dos primeiros músicos da orquestra, na história, a assumir a função.

Foi em Caxias do Sul, muitos anos antes de ouvir falar da OSPA, que iniciou a vivência musical.  Aos sete anos, o trompete entrou na sua vida quando passou a integrar a banda marcial do colégio em que estudava. A partir disso, a música de concerto passou a trilhar seus caminhos até a OSPA. Confira abaixo a entrevista completa com o maestro Evandro Matté.

1. Como surgiu seu interesse pela música? Você sempre pensou em trabalhar com música de concerto?

Meu interesse pela música surgiu porque eu estudava em um colégio de freiras, que tinha uma banda marcial. Com sete anos, vi o conjunto em uma apresentação do colégio e me impressionei. Ao voltar para casa, disse para minha mãe que queria entrar em uma banda. Mas, não, nunca pensei em trabalhar com música de concerto, nem conhecia esse estilo musical. Eu só gostei da banda, tive interesse em tocar. Comecei com o trompete, que era o menor instrumento que tinha e se adequava ao meu tamanho. Na verdade, meu primeiro contato com uma orquestra foi aos 12 anos, em um programa que existia na Globo, aos domingos de manhã, chamado “Concertos para a Juventude”. Eu gostava de assistir porque ficava olhando o trompete, que era o instrumento que eu tocava. E assim fui trilhando esse caminho pelo qual me interessei.

2. Quando a OSPA entrou na sua vida? De que forma?

A OSPA entrou na minha vida aos 13 anos. Eu não conhecia a OSPA, só sabia que existia uma orquestra em Porto Alegre. A banda de Caxias fez uma excursão a Gramado, e nós fomos escutar a Nona Sinfonia de Beethoven regida pelo maestro Eleazar de Carvalho, que foi um dos maestros mais importantes da história da OSPA e o mais importante da história do Brasil. Então, fiquei encantado. Nunca tinha assistido uma orquestra ao vivo. Essa foi a minha primeira experiência e o meu primeiro contato com a OSPA.

3. Como você passou de trompetista para maestro? Quando surgiu o interesse pela regência?

Eu entrei na OSPA por concurso em 1990 como trompetista e na Escola em 1987, mas desde 1989 já fazia cachês como aluno na orquestra. Fiz graduação na UFRGS, depois nos Estados Unidos e na França, sempre seguindo a carreira de trompetista. Mas em um determinado momento, um regente chamado David Machado assumiu a OSPA. Era fascinante o trabalho que conseguia fazer com a orquestra. E nos tornamos grandes amigos. Esse vínculo me despertou a vontade de me tornar maestro. Quando fui estudar trompete na França, tínhamos que fazer regência de grupos grandes de metais como prática do próprio estudo do trompete. Lá percebi, e também um professor da classe da música de câmara comentou, que eu levava jeito para regência. Somando-se essa vivência com David a esses fatos que aconteceram na França, comecei a ter interesse pela regência.

4. Quais os maiores desafios que você enfrentou à frente da OSPA?

Nestes cinco anos à frente da OSPA, os desafios foram muito grandes, gigantescos. Talvez o maior deles foi logo no início: provar que eu tinha condições de estar no cargo para o qual fui convidado pelo ex-governador Sartori e pelo antigo secretário de cultura Victor Hugo. Na verdade, eu era um músico da OSPA, só tinha trabalhado como regente em outras orquestras. Então, o fato de ser da casa, de ser colega, de não ter regido a OSPA anteriormente gerava algumas desconfianças em relação ao meu trabalho, o que é natural. Então, talvez esse tenha sido o meu maior e principal desafio. Fora esse, vieram outros grandes, como organizar a gestão interna da orquestra, a construção da Casa da OSPA, solucionar um espaço adequado para a Escola. Foram grandes obstáculos que eu e a equipe da OSPA enfrentamos.

5. Quais as melhores experiências que a OSPA te proporcionou?

Praticamente em todas as melhores experiências da minha vida, a OSPA esteve envolvida. Estudei nos Estados Unidos em função de uma parceria da OSPA com uma universidade americana. Na França também, foi através de um trompetista francês que esteve aqui. Ficamos amigos, e fui convidado para estudar no Conservatório em Bordeaux. Essa foi uma das grandes experiências da minha vida, poder morar no exterior e estudar. Outra oportunidade que a OSPA me proporcionou foi a de crescer como músico, não só como trompetista, mas também como maestro. A vivência que tenho hoje de reger em vários cantos do mundo, de conhecer outras culturas e outros países está relacionada com a OSPA e um pouco da Orquestra Unisinos, que também foi extremamente importante para minha formação. A OSPA me garantiu uma vida muito gratificante, como pessoa e profissional.

6. O que você ainda espera alcançar como maestro e diretor artístico da OSPA?

Eu não vejo limites. As possibilidades são infinitas. A Fundação OSPA tem muito ainda a crescer. Precisamos concluir a Casa da OSPA, restaurar o Palacinho, torná-lo um dos melhores conservatórios de música do País e da América do Sul. Temos inúmeras questões de planejamento, de ajuste, que podemos construir nessa relação com o próprio Estado, que é quem mantém a OSPA. Sabemos que na cultura é sempre difícil a manutenção de recursos. Temos projetos de criação de fundos futuros para que a OSPA tenha segurança em seu prosseguimento, principalmente em relação à estabilidade de seu nível artístico. Existe uma palavra que aprendi com os jesuítas que se chama “magis”, que é você, como ser humano, ser melhor a cada dia. E essa palavra me acompanha há muito tempo, e eu também transfiro ela para a questão profissional. Acho que nós podemos fazer com que a OSPA, a cada dia, seja uma orquestra de melhor nível e entrega para a comunidade. Acredito que ela tem muito a crescer ainda e que esse é um dos objetivos também a ser alcançado. A melhora é gradativa, e temos que continuar a fazer o que estamos realizando desde que começamos aqui: provar que uma orquestra pública pode ter um alto nível e dar o resultado que a sociedade espera dela.

7. Tem alguma obra que te emocionou enquanto você conduzia um concerto? Se sim, qual e por quê?

Eu já tive vários momentos de emoção regendo a OSPA. O meu primeiro concerto oficial em 2015 iniciou muito tenso, foi difícil estar à frente da orquestra, sendo a primeira vez que um músico da OSPA assumia a função de regente titular. Mas tem uma obra específica que me marcou muito e que foi executada agora em 2019, que é a Quinta Sinfonia de Mahler. Ele é meu compositor favorito e tenho um vínculo muito forte por causa do trompete. As obras dele para esse instrumento são complexas e muito utilizadas. Eu havia tocado a peça há muitos anos atrás com a OSPA e, para mim, foi marcante ter tido essas experiências com o compositor: tanto de ter executado dentro da orquestra quanto regido.

8. Qual o lugar que a música e a OSPA ocupam na tua vida hoje?

Em uma entrevista quando o jornalista fez essa pergunta, ele acabou usando a minha resposta como título e colocou “Isso aqui é a minha vida”. Esse é o lugar que a OSPA realmente ocupa, minha vida toda é vinculada aqui. Aos 17 anos entrei na Escola e desde os 13 tinha vontade de participar da OSPA. Eu passei por dentro da orquestra, como músico, o que me orgulha muito. E agora, nos últimos cinco anos, como maestro. Então, praticamente, a minha vida toda é relacionada diretamente à OSPA. A música, a orquestra e os outros trabalhos que tenho ditam o meu rumo, o meu caminho. Eu vivo em função da música.

9. Qual a importância da OSPA estar completando 70 anos de atividades ininterruptas em um país em que a música de concerto não é tão valorizada? 

Isso é um fato extremamente importante, porque de todas as orquestras que têm mais de cinquenta anos no Brasil, a OSPA é uma das poucas que nunca parou. A explicação é a presença de uma tradição cultural muito grande no Estado. Então, isso demonstra que estamos no caminho correto, porque a sociedade, os governos e os políticos correspondem e todos apoiam essa Fundação. Ela realmente integra algo de qualidade, dá retorno para aquele investimento que é feito nela. Por isso, temos que saudar o fato de estarmos completando 70 anos e, principalmente, o de nunca termos parado. 

OSPA - Orquestra Sinfônica de Porto Alegre