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Meu Repertório: Irmãos Polycarpo

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Quando pensamos em uma orquestra, é comum associarmos a palavra a notas e partituras. Por trás dos diversos instrumentos que a compõem, existem pessoas, que carregam histórias para além das grandes obras interpretadas. Com a série ''Meu Repertório'', celebramos os 70 anos da OSPA, resgatando narrativas que acompanham a história da sinfônica.

É normal que irmãos dividam muitas coisas durante a vida, como brinquedos, roupas e até mesmo o quarto. Com os gêmeos Ariel e Gabriel Polycarpo, músicos da OSPA, não foi diferente. No entanto, eles compartilharam desde crianças algo muito maior: a paixão pela música. Apesar das semelhanças na trajetória musical, na hora de escolher um instrumento para se especializar, Ariel ficou com o violino, e Gabriel com a viola. A partir disso, suas histórias passaram a se distanciar, quando um foi estudar em Indiana e o outro em Geórgia, cidades ao nordeste e sudeste dos Estados Unidos, respectivamente. Foi após passar no concurso e ingressar na OSPA que os irmãos voltaram a tocar e trabalhar juntos diariamente. Confira na entrevista abaixo os encontros e desencontros dos irmãos Ariel e Gabriel Polycarpo.

1 - Onde vocês nasceram? Sempre moraram em Porto Alegre? Se não, quando se mudaram para cá e por quê?

(Ariel) Nascemos e crescemos no Bom Fim, em Porto Alegre, um bairro que há décadas vê tantos músicos surgirem e que tem abraçado a cultura. 

2 – Como a música entrou na vida de vocês? Quem demonstrou primeiro o interesse? 

(Ariel) De várias maneiras. Música na igreja, programas educativos da TVE, como o Pandorga, e os concertos da OSPA, que também eram transmitidos no canal. O interesse foi de ambos, apesar de meu irmão ter dado o primeiro passo na escolha de um instrumento musical. 

(Gabriel) Sempre gostamos de música, desde pequenos. Quando tínhamos por volta de uns três anos de idade, havia um pianista que tocava na nossa igreja, e gostávamos de ouvi-lo tocar. Eu achava muito bonito o som do piano, ficava olhando e me perguntando como era possível tocar um instrumento com tantas teclas. Acho que a decisão de estudar música partiu de mim. Naquela época, eu disse para a nossa mãe que queria aprender a tocar piano. Por sermos muito pequenos, acredito que ela não tenha dado tanta importância ou talvez quisesse esperar crescermos mais um pouco. Enquanto isso, por volta dos cinco ou seis anos, eu e meu irmão começamos a inventar nossos próprios instrumentos com brinquedos que tínhamos em casa. Com tabuleiros de jogos, "tazos" ou "zaps" e alguns elásticos conseguíamos criar instrumentos e tirar notas musicais deles. Criávamos nossas próprias composições. 

3 – De que forma se deu a formação musical de vocês? Quem foi o responsável por ensinar vocês a tocar viola e violino?

(Gabriel) Começamos a estudar música mesmo por volta dos 11 ou 12 anos de idade, quando uma musicista da nossa igreja, que tocava piano e violoncelo, decidiu oferecer aulas de piano e teoria musical gratuitamente para mim e meu irmão. Depois disso, passamos a estudar violino com a professora Rosangela dos Santos. Aos treze anos, entramos  no Projeto Prelúdio, onde seguimos nossos aprendizados de teoria e aprendemos violão clássico. Nessa época, também passamos a estudar na Escola da Música da OSPA. Após assistir alguns concertos da OSPA, decidimos que queríamos seguir a carreira de músicos e integrar a OSPA. Em 2009, entramos para a UFRGS no curso de bacharelado em violino com os professores Fredi Gerling e Hella Frank. Na faculdade, descobri que Hella era professora de viola também. Durante meu primeiro ano na faculdade, fiz algumas aulas de viola com ela e decidi que queria seguir nesse instrumento. Assim, me preparei para a prova de troca de habilitação. Um ano depois, eu e meu irmão passamos a integrar a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro (OCTSP), sendo colegas da nossa primeira professora de violino. Ao concluir meus estudos na UFRGS, decidi que queria continuar me aperfeiçoando na viola. Fui estudar na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, realizando meu mestrado. O Ariel foi para a Universidade da Georgia, ao sul dos Estados Unidos, também com bolsa. Foi a primeira vez que moramos separados. Em 2014, foi aberto o concurso da OSPA. Eu e meu irmão realizamos e passamos, porém a posse dos novos músicos só aconteceu no final de 2017. Nesse meio tempo, integramos diversas orquestras, participamos de festivais, cursos, concursos, turnês e especializações. Já são mais de 15 anos participando de atividades musicais, basicamente sem parar. Acho que não conseguiríamos listar tudo o que fizemos, até mesmo os países que já estivemos se perdem nas contas — desde Haiti até Letônia; de Jamaica até Bósnia e Herzegovina, lugares que nunca sonhamos que um dia conheceríamos.

 4 – Sabemos que a viola e violino são instrumentos muito parecidos, por que optaram por eles e não pelo mesmo instrumento? 

(Ariel) A suavidade da obra “Romance para violino nº 2 em Fá maior, Op. 50”, de Beethoven, me atraiu desde o primeiro momento que a escutei, lá pelos 11 anos de idade. Desde então, nunca pensei em trocar de instrumento. Já meu irmão foi diretamente atraído pelas notas mais graves e ressonantes das sonatas para viola e piano de Brahms. Não acho que tenha sido acaso, pois, apesar de gêmeos, temos personalidades e gostos diferentes. 

(Gabriel) Desde a primeira vez que ouvi a viola, fiquei mais inclinado a ela do que ao violino. Gosto do som grave e do repertório para viola. Acho que foi importante também para nos diferenciarmos um pouco, já que até então tínhamos seguido sempre os mesmos caminhos, escolas, turmas, professores, instrumentos.

5 – Vocês dois são músicos concursados da OSPA. Como surgiu o interesse em realizar o concurso?

(Ariel) A OSPA tem sido nosso sonho desde que ingressamos na faculdade. Um objetivo que no início parecia impossível, devido à dificuldade do concurso e ao alto nível dos músicos concorrentes. Porém, aguardávamos a abertura do concurso com muito esforço diário e dedicação. Quando a oportunidade veio, não a deixamos escapar. 

6- Como foi tocar em um concerto com o seu irmão pela primeira vez?

(Gabriel) Essa é difícil de responder! Já que sempre tocamos juntos, acho que a melhor pergunta para a gente seria "como foi tocar em um concerto longe do seu irmão pela primeira vez?" Termos nos reunido novamente na OSPA, após nossos mestrados, foi muito bom. O naipe das violas fica ao lado dos segundos violinos, onde Ariel toca, então frequentemente nos apresentamos lado a lado na OSPA. Mesmo tendo trocado de instrumento, não nos separamos.

7 – Como é a relação entre irmãos dentro da orquestra e como colegas de trabalho?  

(Ariel) Bom, o trabalho de orquestra é extremamente focado. Se eu disser que dentro do palco ignoramos a relação de irmãos para estar a pleno serviço da música, não estarei mentindo, porque como músicos de orquestra fazemos parte de um único corpo. No entanto, obviamente há momentos em que nos auxiliamos mutuamente, tocando trechos um para o outro e vendo como podemos unificar nossa maneira de tocar. 

(Gabriel) É a mesma que temos fora da orquestra. Claro que dentro da orquestra tem sempre a questão da disciplina, temos que estar focados no trabalho, na música, então naturalmente nos falamos muito pouco. Mas nos intervalos, aproveitamos para fazer algumas passagens juntos e discutir sobre algum trecho específico de alguma peça.  

8 - Tem algum concerto, algum regente ou solista que tenham marcado sua trajetória na OSPA? Se sim, por quê?

(Ariel) Alguns nomes me vêm à mente, como o fabuloso trompetista Ole Antonsen pela sua incrível facilidade em tocar o instrumento. Destaco também o deficiente visual Angelin Loro, que ao longo de algumas décadas ofereceu aos frequentadores da OSPA brilhantes performances de concertos para piano. 

(Gabriel) Diversos concertos. Cada apresentação é um desafio novo para a gente, cada maestro que vem é diferente, cada um tem algo a acrescentar para a nossa orquestra. Talvez o mais marcante tenha sido um que realizamos em agosto do ano passado, com o pianista gaúcho Angelin Loro. Ele, naturalmente, teve de tocar o concerto todo de memória, sem partitura. A apresentação impressionou os músicos e plateia.

9 - Tem algo que não perguntamos, e vocês gostariam de acrescentar?

(Ariel) Eu acho que somos parte de um ciclo que, se Deus quiser, vai continuar se perpetuando. Eu e meu irmão, assim como nossos colegas de orquestra, estamos nos empenhando para formar novas gerações de músicos. Eu considero o fato de ter ingressado na OSPA como uma realização pessoal. Fico feliz em poder oferecer música ao público, porém acredito que o ciclo somente estará completo se pudermos concretizar a realização de sonhos de tantos outros jovens músicos e garantir música da melhor qualidade aos gaúchos. 

(Gabriel) Talvez seja interessante ressaltar que gostamos muito de ensinar também, não apenas de tocar. Interessamo-nos muito pela pedagogia do violino e da viola e pelo ensino de teoria musical. Dedicamos boa parte do nosso tempo dando aulas, preparando alunos para audições, concursos, provas específicas. Temos como objetivo formar novos músicos que talvez venham a ser artistas e professores que darão continuidade ao ensino da música aqui no Rio Grande do Sul. Estamos sempre nos atualizando, lendo, pesquisando e conversando sobre isso.  

OSPA - Orquestra Sinfônica de Porto Alegre